A importância do diagnóstico precoce e tratamento da taquicardiomiopatia

8 de Junho de 2020
por Dra. Isabela

Isabela Cabello Abouchedid; Fernando Augusto Alves da Costa; Antônio Esteves de Gouvea Netto; Marcos Cairo Vilela

Real e Benemérita Associação de Beneficência Portuguesa de São Paulo – São Paulo, SP – Brasil

ABSTRACT

Tachycardiomyopathy is a rare disease characterized by ventricular systolic dysfunction and heart failure caused by persistent or repetitive tachyarrhythmias with rapid heartbeats, whose clinical manifestations may be reversed by bringing the cardiac rhythm back to normal in patients with no established structural cardiac disease. This case study reports on a patient with no heart disease presenting a stroke as the initial event, defined in the research as tachycardiomyopathy triggered by persistent tachyarrhythmia.

Keywords: Tachycardia, supraventricular / etiology; Ventricular dysfunction; Heart failure/diagnosis; Atrial fibrillation / etiology

INTRODUÇÃO

Gossage e Braxton Hicks1 foram os primeiros a descrever a relação entre as taquiarritmias e a cardiomiopatia em paciente com fibrilação atrial. Brillem 1937 e Phillips e Levine3 em 1949 descreveram outros casos relacionando taquiarritmias e cardiomiopatia1-5.

A taquicardiomiopatia é caracterizada por disfunção ventricular sistólica e insuficiência cardíaca congestiva causadas por taquiarritmias supraventriculares ou ventriculares persistentes ou repetitivas com frequência cardíaca elevada, cujas manifestações clínicas são reversíveis com a normalização do ritmo cardíaco em pacientes sem uma doença estrutural cardíaca estabelecida6. Considerada uma doença de difícil diagnóstico e pouco frequente, observada em 5% dos adultos e 14% das crianças, a taquicardiomiopatia pode evoluir de forma desfavorável quando não diagnosticada. Geneticamente, os pacientes sujeitos a sofrer complicações já são predeterminados a evoluírem desfavoravelmente, principalmente quando o seu diagnóstico não é feito precocemente.

As complicações mais frequentes são: insuficiência cardíaca congestiva, complicações embólicas pela fibrilação atrial e complicações pela evolução da gravidade da arritmia com degenerações para taquicardia ventricular e fibrilação ventricular. Neste trabalho, é importante ressaltar que o diagnóstico e o tratamento corretos resultam na reversibilidade dos sintomas e na melhora da disfunção ventricular.

RELATO DO CASO

Paciente masculino, 45 anos, leucodérmico, casado, católico, natural de São Vicente e procedente de Bertioga, estado de São Paulo, foi admitido em 2 abril 2010 com quadro de dislalia, que se iniciara há sete dias após mal-estar, e cefaleia acompanhadas de hipoacusia iniciada há dois dias. Realizou, na admissão, tomografia computadorizada de crânio que evidenciou hipodensidade e com sinais de transformação hemorrágica acometendo região temporoccipital direita e hipodensidade em região opérculo-insular à esquerda e em lóbulo parietal inferior esquerdo.

Paciente apresentava história de arritmia cardíaca, referindo diagnóstico em 2001 e tratamento naquele período com atenolol, porém em uso irregular. Portador de hipertensão arterial, dislipidemia e artrite gotosa, ex-tabagista por 15 anos e ex-etilista de destilados, negava prática de exercícios físicos regulares e referia boa alimentação em quantidade e qualidade.

Relata em sua família: pai vivo, portador de arritmia cardíaca; mãe viva, tabagista e não cardiopata; dois irmãos, sendo um falecido por causas externas e uma irmã hígida; dois filhos vivos e hígidos.

Nega alterações em outros órgãos e sistemas. Ressonância magnética de encéfalo evidenciou áreas de isquemia subaguda envolvendo a transição temporoccipital direita e a região opérculo-insular esquerda, além de focos lacunares no lóbulo parietal inferior, de provável etiologia embólica. Diagnosticado acidente vascular encefálico de origem isquêmica. Investigação iniciada com a solicitação de eletrocardiograma (Figura 1), observando-se ritmo de fibrilação atrial com frequência cardíaca alta e bloqueio de ramo direito; e de ecoDopplercardiograma transesofágico (Figura 2) que evidenciou aumento importante de ventrículo e átrio esquerdos, ventrículo e átrio direitos, hipocinesia difusa, insuficiência mitral moderada e tricúspide discreta secundárias, valva pulmonar retificada com onda A ausente, fração de ejeção de 38%, pressão sistólica no ventrículo direito de 44mmHg, ausência de trombos ou vegetações intracavitárias e presença de contraste espontâneo no átrio direito.

Figura 1 Eletrocardiograma realizado no paciente para investigação da arritmia cardíaca.

Figura 2 Aumento de câmaras cardíacas observada ao ecoDopplercardiograma.

Foram introduzidos amiodarona e betabloqueador por via oral, porém notou-se a persistência da fibrilação atrial com frequência cardíaca alta e marcadores de isquemia miocárdica negativos. Optou-se por infusão de amiodarona endovenosa em Unidade de Terapia Intensiva e programada cardioversão elétrica. Paciente não foi anticoagulado devido à transformação hemorrágica de área isquêmica evidenciada na tomografia de encéfalo.

Realizada cardioversão elétrica, bifásica, com 100J, com sucesso, porém duas horas após o procedimento, o paciente evoluiu com desconforto respiratório e parada cardiorrespiratória (PCR), sendo submetido a manobras de reanimação cardiopulmonar. Paciente permaneceu instável hemodinamicamente, apresentando bradicardia, um dia após a primeira PCR, seguida de nova parada cardiopulmonar e fibrilação ventricular sendo revertida prontamente com medidas de reanimação cardiopulmonar e cardiodesfibrilação elétrica.

Realizou-se novo ecoDopplercardiograma dois dias após esse novo episódio, que evidenciou: dilatação importante nas quatro câmaras cardíacas, hipocinesia difusa moderada com acinesia em parede inferior de ventrículo esquerdo, fração de ejeção de 30%, insuficiência mitral secundária de moderada/importante, insuficiência tricúspide discreta e pressão sistólica no ventrículo direito igual a 43mmHg.

O paciente permaneceu com instabilidade hemodinâmica e evoluiu com insuficiência renal aguda por baixo débito, sendo necessário hemodiálise.

O ritmo fora revertido para sinusal à custa de amiodarona, dois dias após a última parada cardiorrespiratória. Paciente foi extubado cinco dias após a última parada cardiorrespiratória permanecendo estável hemodinamicamente.

Dois dias após a extubação, o paciente evoluiu com hipotensão, sendo necessário intubação orotraqueal e sedação devido a quadro séptico, sendo introduzida antibioticoterapia de amplo espectro. Paciente respondeu satisfatoriamente, sendo extubado dois dias após, mantendo ritmo sinusal.

Paciente recebeu alta para a enfermaria, permanecendo em ritmo sinusal à custa de amiodarona por via oral. Realizado novo ecoDopplercardiograma que evidenciou: aumento discreto somente de átrio esquerdo, septo com movimento assíncrono e parede posterior com movimento diminuído, insuficiência mitral e tricúspide discreta, fração de ejeção de 52%, hipocinesia difusa discreta de ventrículo esquerdo, alteração de relaxamento padrão E<A, ventrículo direito, ventrículo esquerdo e átrio esquerdo normais e pressão sistólica no ventrículo direito de 41mmHg.

Realizado também um Holter cujo resultado foi: ritmo sinusal, 361 arritmias supraventriculares isoladas e 3 pareadas, frequência cardíaca mínima 66bpm, máxima 113bpm e média 81bpm.

Paciente evoluiu com melhora significativa do quadro, em recuperação de cognição, sendo concedida alta hospitalar após 1 mês e 13 dias em internação hospitalar, em 15 maio 2010, com os seguintes medicamentos: enoxaparina 40mg SC 2x/dia; amiodarona 200mg 2x/dia; captopril 50mg 2x/dia; succinato de metoprolol 12,5mg 2x/dia; AAS 100mg 1x/dia; omeprazol 20mg 1x/dia; aldactone 25mg 1x / dia; e digesan 10mg 3x/dia. Paciente permaneceu com sonda nasoenteral, com orientações para manejo e cuidados necessários.

Paciente retornou ao ambulatório com reversibilidade completa dos sintomas de início do quadro, com boa aderência à medicação prescrita. Ao ecoDopplercardiograma, realizado em 7 julho 2010, 1 mês e 28 dias após a alta hospitalar, apresentou: aumento discreto somente de átrio esquerdo, septo com movimento normal e parede posterior com movimento normal, escape valvar mitral discreto, fração de ejeção de 72%, alteração de relaxamento padrão E<A, ventrículo direito, ventrículo esquerdo e átrio esquerdo normais e ecotransesofágico de mesma data não evidenciando trombos e/ou vegetações, com septo interatrial íntegro. Paciente segue em acompanhamento em ambulatório.

DISCUSSÃO

A taquicardiomiopatia é uma entidade rara, observada em 5% dos adultos e 14% de crianças, resultante de taquiarritmias crônicas ou paroxísticas, com frequência cardíaca elevada persistente ou não, mais frequentemente associadas à fibrilação atrial, ao flutter atrial, à taquiarritmia atrial ectópica, à taquiarritmia atrioventricular, à taquiarritmia por reentrada nodal e às taquiarritmias ventriculares1,2,7.

É potencialmente curável se diagnosticada e tratada de forma correta, e deve ser suspeitada em todos os pacientes sem história de doença estrutural cardíaca prévia ou com diagnóstico de cardiomiopatia dilatada idiopática, que apresentam taquiarritmias persistentes sem tratamento prévio, assintomáticos na maioria dos casos. Ressalte-se a dificuldade diagnóstica que subestima seu reconhecimento e a importância do controle da taquiarritmia para a reversibilidade da disfunção ventricular.

REFERÊNCIAS

  1. Gossage AM, Braxton Hicks J. On auricular fibrillation. Q J Med. 1913;6:435-40.
  2. Brill IC. Auricular fibrillation with congestive failure and no other evidence of organic heart disease. Am Heart J. 1937;13(2):175-82.
  3. Phillips E, Levine SA. Auricular fibrillation without other evidence of heart disease; a cause of reversible heart failure. Am J Med. 1949;7(4):478-89.
  4. Rossi Neto JM, Finger MA, Cipullo R. Taquicardiomiopatia. Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2009;19(1):73-9.
  5. Mohamed HA. Tachycardia – induced cardiomyopathy (tachycardiomyopathy). Libyan J Med. 2007;2(1):26-9.
  6. Khasnis A, Jongnarangsin K, Abela G, Veerareddy S, Reddy V, Thakur R. Tachycardia – induced cardiomyopathy: a review of literature. Pacing Clin Electrophysiol. 2005;28(7):710-21.
  7. Walker NL, Cobbe SM, Birnie DH. Tachycardiomyopathy: a diagnosis not to be missed. [Abstract]. Heart. 2004;90(2):e7.